Neolinguagem

(Atualização em 6 de dezembro de 2022)


Aqui explicarei em detalhes sobre como usar a neolinguagem e outros tópicos relacionados com linguagem. Para uma explicação mais completa, apresentarei conceitos usados na gramática, como artigo definido e classes de pronomes. Essa parte mais técnica é um pouco mais densa, mas reforço que toda informação aqui é relevante. É uma postagem longa, por isso recomendo que leia dentro do seu tempo para melhor absorver as informações.

O que é?

A neolinguagem é uma proposta de criar e implementar uma alternativa linguística de um “gênero gramatical neutro” ou todo um sistema sem associação com gêneros para assim incluir mulheres, pessoas cisdissidentes e pessoas intersexo, assim como também incluir mais possibilidades e opções de tratamentos pessoais, trazendo neologismos (novas palavras) para nossa realidade material. Neolinguagem é uma pauta internacional e está sendo discutida em praticamente todas as línguas.

Existem raríssimos registros de usos de neolinguagens de antes da ascensão da Internet, por onde ficou mais popular. O resgate de tais registros revelou usos de neopronomes como elo e êla usados por/para pessoas dissidentes de gênero – aparentemente, travestis e outras pessoas marginalizadas. Na Internet, usos muito ocasionais de @ (arroba) e X para neutralizar palavras aparecem alguns anos antes da década de 2010. Até existiram propostas incluindo outros elementos, como a letra æ, e dando ideias de pronúncias (arroba como ó, e æ como é), porém, nunca se popularizaram. A neolinguagem se consolidou mais a partir da década de 2010, uma época em que tópicos de justiça social ampliaram seu alcance, e começou com a popularização de palavras neutralizadas com arroba ou xis em páginas e espaços de justiça social ou que ao menos mostravam algum nível de apoio às pautas identitárias. O xis já tinha uma premissa de incluir pessoas não-binárias, embora muita gente nem sabia sobre elas e pensava apenas na inclusão de mulheres ou focava na “indeterminação” de gênero. Frequentemente, o arroba é pensado apenas nos gêneros binários, sendo associado a uma mistura de O e A. Atualmente, a proposta se atualizou e se expandiu, saindo do “nicho” virtual e aparecendo em comercial, numa caixa de suco, até em instituição de ensino e em projetos de lei (embora contrários). Uma proposta do momento é a formulação de um novo gênero gramatical, um sistema unificado de “gênero neutro” para ser oficializado na língua padrão.

A língua portuguesa, assim como outras, possui em sua estruturação reflexos de uma mentalidade colonial – que é patriarcal e binarista; o gênero gramatical “masculino” é usado como neutro ou indefinido e para coletividade. Um exemplo clássico: dois homens são eles, duas mulheres são elas, um homem e uma mulher são eles. Isso se deve ao processo histórico de transformação do latim para a língua atual, onde o gênero gramatical “neutro” do latim acabou sendo em sua maior parte assimilado ao gênero gramatical “masculino”. Alguns resquícios desse gênero podem ser encontrados em palavras como isto, isso, aquilo.

Na própria estruturação da língua (e isso é característico de muitas outras línguas) existe um binarismo forte que separa tudo que existe em apenas dois gêneros gramaticais: feminino e masculino. Morfologicamente, o gênero “masculino” é entendido como ausência de gênero, enquanto o gênero “feminino” é o único gênero marcado.

A questão do gênero gramatical “masculino” sendo genérico não é um problema morfológico, mas um problema sociolinguístico. Quando a língua se mistura à sociedade, ela cria e molda conscientes e inconscientes, e a língua não está isenta de refletir premissas políticas e ideológicas. Colocar o gênero “masculino” na posição de gênero padrão e universal nos mostra como a construção da língua teve um viés patriarcal, centralizado na figura do homem.

Pensando na morfologia e como proposta para desconstruir a necessidade de colocar gênero em palavras, os gêneros gramaticais normativos podem ser referidos tecnicamente como gênero inespecificado (“masculino”) e gênero marcado (“feminino”).

Com certeza a neolinguagem não é a solução definitiva e nem uma grande solução às questões de misoginia e exorsexismo. Aliás, ninguém está defendendo isso. Ainda assim, é muito melhor ao menos propor uma alternativa linguística que contemple dois grupos marginalizados dentro do próprio idioma do que não fazer nada, como se fosse possível ignorar que a língua também pode ser um instrumento de opressão.

Considerando que o objetivo principal de uma língua é a comunicação, devemos nos preocupar com questões de exclusão e desigualdade; pois idiomas não estão acima das pessoas, e não existimos em função deles. E também com questões éticas, já que existe um vácuo entre nossa língua e línguas com opções gramaticalmente neutras; e tal vácuo deveria ser preenchido com uma proposta que vise respeitar a individualidade daquelus que usam para si tais opções.

Fazendo uma grande ressalva antes de prosseguir: a proposta foi feita pensando em pessoas da espécie homo sapiens. Não há intenção de alterar os gêneros gramaticais já definidos de coisas e objetos. Então, a mesa continua sendo a mesa, o som continua sendo o som, e assim por diante. Porém, a proposta se estenderá coerentemente para outras espécies diferenciadas por sexo/gênero pela mesma lógica aplicada aes homo sapiens, e para coisas e objetos somente em circunstâncias em que as normas gramaticais de gênero também são aplicadas.

Essa proposta não é perfeita e ainda está em construção. Pode ser que não haja um “gênero neutro” que satisfaça todo mundo. Entre as inúmeras opções de tratamentos pessoais, há aqueles que são apenas gráficos, estéticos, mais restritivos. Há muitas nuances que precisam ser discutidas, e que necessitam tanto de perspectivas de estudioses da língua quanto da população geral. Portanto, informações aqui podem mudar ou ser atualizadas a qualquer momento. Pessoas dispostas a ajudar e com ideias que acrescentem são sempre bem-vindas. A neolinguagem não é monopólio de ninguém e todes podem contribuir, especialmente com sugestões de mudanças gramaticais e palavras novas.

Linguagem Neutra ou Linguagem Não-binária?

Não é coerente ou adequado chamar neolinguagem apenas de “linguagem neutra” ou “linguagem não-binária”, duas terminologias que são usadas por algumes ativistas e acadêmiques e fontes para explicar sobre neolinguagem e linguagem neutra. Isso porque:

A) a proposta não é apenas criar uma alternativa gramatical neutra, mas também incluir outras linguagens e possibilidades, como outros artigos, pronomes e finais. Mesmo havendo a proposta de um pronome neutro universal, não há qualquer intenção de impor apenas três gêneros gramaticais a todas as pessoas. Além disso, dizer só “linguagem neutra” é vago e pode se referir à sintaxe neutra ou outra proposta de linguagem “inclusiva” (como, por exemplo, o uso de ambos gêneros gramaticais normativos, algo comum em espaços progressistas).

B) a proposta não diz respeito apenas a pessoas não-binárias, mas também a mulheres e qualquer outro grupo inconforme com o sistema binário de sexo-gênero. Isso pode implicar que ela é exclusiva de pessoas não-binárias, que é para usar apenas com elas, sendo que qualquer pessoa pode querer qualquer tratamento pessoal – e isso inclui pessoas binárias usando neolinguagem pra si. Porém, ainda é possível que se use esse termo para falar de toda linguagem que não associe uma binaridade de gênero às pessoas, o que pode até incluir a própria sintaxe neutra.

É até compreensível usar tais definições para facilitar a explicação para pessoas mais leigas. Mas é sempre importante divulgar termos mais precisos. Faz parte do processo de educação.

Como neolinguagem é um descritor que faz sentido no contexto atual, onde é uma linguagem nova, o termo poderá cair em desuso futuramente ou precisar ser modificado.

Feminino Universal

Há pessoas que propõem o uso do “Feminino Universal” como uma linguagem fora da norma. Então, em vez de usar o gênero gramatical inespecificado como se usa de acordo com as normas, usaria-se o feminino; um grupo de homens e mulheres seria referido como elas, por exemplo.

Proposta válida enquanto uma provocação à estrutura patriarcal e uma crítica à como a língua portuguesa influencia e reforça as dinâmicas de gênero. Contudo, a proposta não engloba pessoas que não utilizam o conjunto de linguagem a/ela/a ou não se sentem inclusas por esse tratamento (o que inclui pessoas que ficam disfóricas com isso). E não resolve o problema da estrutura binária da língua que limita as possibilidades de pronomes, flexões, e etc.

Sintaxe neutra

Existe a possibilidade de uma linguagem mais inclusiva dentro da própria língua padrão. Eu prefiro chamar essa via de sintaxe neutra. Através dela formamos enunciados que não denotem diretamente o gênero de alguém (pelo menos não de uma forma exorsexista), ou que utilizem palavras mais inclusivas e abrangentes que contornem as normas do uso de gênero gramatical (pessoa, indivíduo, juventude, corpo docente, entre outras palavras).

Ainda há desconhecimento sobre isso, mesmo que as pessoas usem ocasionalmente a sintaxe neutra sem perceber. Linguagem neutra é um termo vago. Dentro da norma, o gênero gramatical inespecificado é usado como neutro. Há pessoas que usam ambos gêneros gramaticais numa tentativa (falha) de serem inclusivas (eles/elas, todas e todos, menino/as). Por isso, considero importante explicar melhor sobre a sintaxe neutra quanto uma via da língua padrão e que consegue ser útil e respeitosa em situações que visem a inclusão.

Porém, a sintaxe neutra não deve ser usada para desconsiderar a neolinguagem; pois, além de não desconsiderar, também pode conviver com ela e complementar a inclusão de pessoas. Apenas ela não resolve todo o problema gerado pela limitação da estrutura binária, e continua impossibilitando a existência de mais opções de linguagem pessoal. Não é justo e nem uma inclusão genuína impor que pessoas que não desejam usar nem o/ele/o ou a/ela/a devam se conformar com estar sempre reformulando frases e evitando marcadores de gênero, para assim estarem sempre numa indeterminação de gênero (que, a longo prazo, sequer ajuda com pautas cisdissidentes).

A sintaxe neutra ainda é bem válida e incentivo muito seu uso também. Inclusive a utilizo junto com a neolinguagem. E pensando em pessoas que usam o conjunto de linguagem -/-/- (ou seja, nenhum elemento de linguagem), ela se torna a opção de linguagem dessas pessoas. Estudar e praticar a sintaxe neutra é importante e deixo um guia sobre ela aqui.

Sistema APF

Antes de tudo devo creditar Aster, administradore do site Orientando, por ter elaborado esse modelo de linguagem considerando os aspectos linguísticos do nosso idioma.

Os conjuntos de linguagem, tanto individuais quanto o universal, serão descritos seguindo o que podemos chamar de sistema APF; que significa artigo, pronome e final de palavra. Esses são os três elementos principais ou mais presentes em tratamentos gramaticais usados pelas e para pessoas.

Artigo: falando do artigo definido, como assim é chamado gramaticalmente, é o elemento que “determina” gênero, e costuma vir antes de um nome próprio ou substantivo. Exemplos: o João, a menina. Os artigos definidos impostos pela língua padrão são o e a.

— E aqui também se inclui as contrações dos artigos com certas preposições: a (ao/à), de (do/da), em (no/na), para (pro/pra), e por (pelo/pela).

Pronome: falando de pronome pessoal reto da terceira pessoa, como assim é classificado, é a palavra usada para se referir a alguém ou algo sem repetir nomes ou denominações. Exemplo: “Mario estava andando, até que ele parou para descansar”. Os pronomes pessoais impostos pela língua padrão são ele e ela.

— A partir dos pronomes pessoais se formam contrações e alguns pronomes demonstrativos. As contrações com as preposições de e em formam, respectivamente; dele, dela e nele, nela. E os pronomes demonstrativos são aquele e aquela.

Final de palavra: falando de desinências em palavras que variam de gênero, o final destaca uma flexão de gênero para diferenciar palavras. A língua padrão impõe apenas dois finais associados aos gêneros normativos. Na maioria das palavras são os finais –o e –a, como em menino e menina, podendo haver mudanças de pronúncia na palavra, como em novo e nova, e em outras havendo apenas a adição de uma letra, como em professor e professora, ou a mudança de toda uma partícula junto com a flexão, como em herói e heroína.

Fazendo um adendo sobre os pronomes pessoais oblíquos átonos – me, te, se, o, a, lhe, nos, vos, os, as, lhes –, os pronomes o(s) e a(s) parecem se alinham com as opções de artigos ou de finais. E verbos terminados em -r, -s e -z, quando flexionados com –lo e –la (que são derivados dos pronomes pessoais), também seguem essa mesma a lógica. Mesma coisa com –no e –na, que acompanham verbos conjugados que terminam em som nasal (viram, tem, etc).

Os conjuntos de linguagem validados pela língua padrão são o/ele/o e a/ela/a, que são impostos como linguagem masculina/de homem e linguagem feminina/de mulher e de acordo com o gênero designado (ou fenótipo sexual cientificamente falando). Junto com esses conjuntos vêm uma série de marcadores de gênero correspondentes.

Socialmente, no cotidiano, muitas pessoas pressupõem os tratamentos pelo “sexo” que identificam ou pela aparência (que separam em masculina ou feminina). Ou seja, são atitudes que perpetuam cissexismo num geral, assim como reforçam exorsexismo.

Na língua inglesa, o tratamento pessoal é composto por pronomes e alguns heterônimos. Pessoas não usam artigos definidos e não existem flexões. Por isso as pessoas descrevem seus conjuntos de linguagem como he/him, she/her/hers, enfim. Muitas pessoas trans e não-binárias do Brasil (e talvez outros países lusófonos) usam uma tradução imprecisa disso, colocando como conjuntos ele/dele, ela/dela, elu/delu, enfim (sendo que o segundo elemento geralmente nem é o pronome possessivo). Na nossa língua, isso se torna redundante e desnecessário, pois toda contração de pronome pessoal com de é d + (pronome). O sistema APF é mais específico e adequado, e também ajuda a desconstruir a ideia de que os pronomes ele e ela possuem opções predefinidas de artigos e flexões e destaca a diversidade de tratamentos.

Outro ponto importante e que ainda é recorrente nas comunidades trans e não-binária é categorizar todos os conjuntos de linguagem em masculinos, femininos ou neutros. Em consideração às pessoas não-binárias é mais adequado não ficar classificando os conjuntos da língua padrão de masculino ou feminino, e nem chamar todos os conjuntos de neolinguagem de neutros. Conjuntos de linguagem são conjuntos de linguagem. Isso parte do mesmo princípio de desconstruir que existem objetos e roupas para homens ou mulheres, assim como que existem sexos masculino e feminino. Sem contar que essas classificações perdem o sentido com conjuntos que misturam elementos da língua padrão e neologismos, como a/ila/a ou -/ele/e.

Falando no inglês e demais línguas que incluem uma terceira opção ou opção neutra de linguagem, o conjunto ê/elu/e será adotado sempre como adaptação dessas opções. Por exemplo, se eu for me referir a uma pessoa de um país anglófono que usa o conjunto they, utilizarei esse conjunto para ela. Usarei esse mesmo conjunto para pessoas de um idioma com apenas um pronome/uma opção de linguagem pessoal.

Também tenho uma tradução oficial para pessoas que usam it/it/its: i/ilo/i. Cheguei nessa proposta extraindo o pronome “ilo” das palavras aquilo e isto/isso, e usando um artigo e uma flexão incomuns, assim como it é incomum como pronome para pessoas.

Traduções de conjuntos de neopronomes (como ze, ve, ey…) é uma discussão que ainda não foi feita. Até pela complexidade, pois não basta apenas ter uma tradução do pronome, mas pensar nos outros elementos gramaticais que o acompanham.

Os conjuntos normativos: o/ele/o e a/ela/a

Essas duas opções de tratamento gramatical possuem uma carga social forte e pesada de serem associadas aos gêneros binários. Não são apenas gêneros restritos ao âmbito da gramática sem qualquer influência na realidade social. Elas são impostas às pessoas pelo sexo designado junto com o gênero. Nem os animais são poupados disso. E por essa razão muitas pessoas fora do binário sentem desconfortos e até disforias pelo tratamento social. Além disso, o binarismo de gênero também apaga a existências de bebês intersexo, que são mutilades ou escondides para serem encaixades no binário de sexo-gênero. Propor mais que essas opções de linguagem é uma forma de tentar amenizar essas questões.

Mesmo assim, muitas pessoas não-binárias acabam optando por um ou ambos conjuntos normativos, mesmo que tenham identidades de gênero nada relacionadas aos gêneros binários ou suas qualidades. Pode ser por motivos pessoais, por conveniência, ou até por desconhecimento da neolinguagem. Há pessoas não-binárias que a conhecem e ainda mantém suas escolhas, ou por preferência, ou mesmo por serem contra a neolinguagem.

Também há pessoas que tentam utilizar mais a sintaxe neutra para si, assim tentando se afastar das cargas sociais da língua padrão e sem necessitar na neolinguagem.

Ainda é possível que se use as linguagens padrão de uma maneira “neutra”. Como a norma usa o gênero gramatical masculino como neutro, teoricamente, o conjunto o/ele/o pode ser neutro por si só. E tem gente que associa o conjunto a/ela/a com a palavra pessoa, assim mantendo todas as frases em sintonia com o gênero gramatical da palavra; uma solução muito próxima da sintaxe neutra.

Junto com a proposta da neolinguagem vem uma filosofia queer de se reapropriar de toda imposição de gênero; e isso inclui as linguagens. Em outras palavras, aqui se defende que todes usem a linguagem que quiser. Sim, aqui se defende que homens usem a/ela/a e mulheres usem o/ele/o (e isso já é realidade há muito tempo), ou que usem ambas as linguagens, e/ou que usem conjuntos de neolinguagem.

Quantos conjuntos de linguagem podem existir?

Teoricamente, incontáveis. Teoricamente, tudo pode ser artigo, pronome e flexão. Portanto, não apenas os elementos, mas as combinações entre eles abrem infinitas possibilidades. Mesmo assim não creio que, na prática, haverá tantas pessoas usando dezenas de conjuntos.

As pessoas devem ter em mente a comunicação, as modificações consequentes dependendo da escolha de pronome e flexão, e de possíveis limitações de um conjunto.

Escolher o pronome ilu implica no uso das variações dilu, nilu e aquilu. Então é uma escolha viável. No entanto isso seria complicado se alguém escolhesse, por exemplo, loi como pronome (dloi, nloi, aquloi).

Escolher como flexão elementos que sejam vogais, ou sílabas que comecem com vogais, ou consoantes lidas como vogais facilita a mudança de gênero no final das palavras. Isso se torna inviável se alguém quiser, por exemplo, ba como flexão (meninba, lindba).

Outras possibilidades implicam em mudanças de pronúncias e acentuações nas palavras, como nos exemplos de garoto e garotu (aqui a sílaba tônica é tu) e farmacêutique e farmaceutiqui (o acento muda, pois agora a sílaba tônica é qui).

E lembrando que a linguagem pessoal não se resume aos conjuntos! Também há outros elementos, como os pronomes demonstrativos (esse, esta, etc) e outros marcadores de gênero preferíveis. O sistema APF é ainda uma simplificação. Para descrever tudo que você usa ou prefere, talvez uma descrição completa seja a solução.

Não é difícil encontrar textos e pessoas que falam contra o uso de X (xis) ou @ (arroba). Sim, há conjuntos de linguagem mais viáveis e aceitáveis como neutro universal; pois essas duas opções não têm pronúncias evidentes, não são reconhecidas em todos os leitores de tela, atrapalham a leitura de pessoas disléxicas, e não promovem uma real mudança estrutural na língua (pois se limitam à parte escrita). Muites usaram arroba com a intenção de parecer as vogais o e a ao mesmo tempo (o que não é nada inclusivo).

No entanto, não deveria ser proibido alguém usar pessoalmente conjuntos com esses elementos. Existem propostas de sonoridade (como pronunciar arroba como “ó”), e implicar que só devemos usar elementos que podem ser escritos e falados implica que línguas devem ser sempre faladas (temos aí as libras). Mesmo assim, pessoas precisam ter em mente a questão da inclusão, e considerar usar esses conjuntos para espaços virtuais mais restritos. O mesmo vale para o uso de emojis e outros símbolos.

Por fim, algumas dicas de descrição de conjuntos de linguagem:

  • Se você não usa nada em algum elemento do conjunto, descreva usando – (traço).
  • Se você usa ou aceita qualquer possibilidade de algum elemento, descreva usando alguma abreviação de qualquer – q, qlq, etc – em parênteses, ou colchetes, ou chaves.
  • Se você usa mais de um conjunto, mas só há algumas mudanças entre um ou mais elementos, descreva usando parênteses ou colchetes e dentro deles o que você usa. Exemplos: (o, a)/(ele, ela)/(o, a); [-/(elu, éli, elz)/-e].

Manual de mudanças gramaticais e neologismos

O conjunto universal que adoto para criar uma linguagem “neutra”/sem associação de gênero é o ê/elu/e. Junto com o conjunto virão modificações que seguem lógicas dentro das próprias estruturas da língua portuguesa e neologismos, para assim criar uma linguagem consistente e compreensível. Todas as alterações foram pensadas considerando todos os aspectos principais da língua, como escrita e pronúncia. E, também, serão empregadas palavras novas como alternativas para os vocábulos heterônimos (como pai e mãe).

Utilizo esse conjunto por ser algo mais aderido dentro e fora da Internet; e, aparentemente, será o sistema mais usado no futuro, talvez sendo oficializado como um sistema unificado de “gênero neutro” na língua padrão. O pronome elu existe há muito tempo. O final -e é reconhecível (há palavras terminadas em e na língua padrão) e pronunciável. A questão do artigo definido ainda gera debate, mas aparentemente ê pode funcionar melhor.

Pode haver outras pessoas e fontes que usem outros sistemas; por exemplo, artigo le e pronome ile. Elas não estão erradas. Nenhum sistema de neolinguagem está errado. Contudo, manterei o uso do conjunto que falei enquanto algum outro não se torna o mais popular.

Obs: embora aqui nesse sistema ê/elu/e seja um conjunto neutro, pessoas que usam esse conjunto para si podem querer usá-lo por outros motivos e nem considerá-lo um conjunto neutro. Portanto, recomendo não resumir esse conjunto a algo unicamente neutro.

1- Começando pelo próprio conjunto, ê/elu/e:

– O artigo ê será usado como artigo alternativo de o e a. O plural se torna es, sem o circunflexo.

Nota: sobre a pronúncia do artigo no plural, es, pode ser recomendado falar como “is”, para assim não confundir com “ex” usado em certos termos (como “ex-estudante”).

— aqui também se inclui todas as possíveis contrações com o artigo: ae (a + ê), de (de + ê), ne (em + ê), pre (para + ê), e pele* (por + ê).

*Obs: se pronunia como “pê-le”, com o e fechado, assim como as contrações pelo e pela.

– O pronome elu (e suas variações) será usado para situações em que:

— elementos de gêneros gramaticais diferentes estão juntos.

— o gênero ou conjunto de linguagem de alguém não é conhecido.

— há pessoas de diferentes pronomes juntas (ele e ela, ela e ile, elu e ilo, etc). Aqui só há exceção quando os pronomes das pessoas são os mesmos.

Nota: a pronúncia de elu gera dúvidas até hoje. Porém, tecnicamente, de acordo com a gramática tradicional, essa palavra seria pronunciada como e-lú. Mesmo assim, aprovo que haja as pronúncias ê-lu e é-lu para quem tiver tais preferências e/ou queiram aproveitar esses usos em determinadas situações.

– Palavras flexionadas com -o e -a (e outras variações) serão também flexionadas com –e, trazendo ou não possíveis mudanças estruturais de acordo com a gramática tradicional.
Exemplos: menine, linde, amade, não-binárie, primes, todes, nosses, tantes.

— Isso valerá também para palavras cuja forma gramatical inespecificada termina numa vogal ou consoante, e a forma gramatical marcada termina em -a.
Exemplos: gurie (guri/guria), nue (nu/nua), ume (um/uma), professore (professor/professora), inglese (inglês/inglesa).

— Palavras em que se muda a entonação junto com a flexão, de acordo com a gramática, deveria manter a entonação associada ao gênero marcado.
Exemplos: senhore, gostose.

Nota: aqui, também aprovo a livre escolha de entonação.

— Isso valerá também para as formas derivadas dos pronomes pessoais explicadas anteriormente: pronome oblíquo e, flexões de verbo –le e –ne.
Exemplos: “e convidei”, “convidei-e”, “convidá-le”, “convidaram-ne”.

2- Sobre as modificações possíveis:

– Quando numa frase há dois ou mais elementos de gêneros gramaticais diferentes, serão referidos com a flexão –e e neologismos desse sistema. E vale ressaltar aqui que a coerência gramatical deve ser mantida, da mesma forma que é mantida com ambos gêneros gramaticais normativos. Dica: pense na frase usando apenas cada um dos gêneros normativos, para assim poder reformular a frase com a devida concordância.*

*Obs: isso é muito importante, porque ainda é constante pessoas alterarem só algumas palavras enquanto o resto fica sempre no gênero inespecificado, como em “meus amigues” ou “todos os candidates”.

Exemplos: “muites sites e pessoas usam esse termo”, “minha mesa e meu armário foram comprades na mesma loja”, “sues livros e canetas estão largades na cama”.

– Palavras terminadas em -go e -ga terão como alternativa –gue.
Exemplos: amigue, psicólogues.

– Palavras terminadas em -co e -ca terão como alternativa –que.
Exemplos: simpátique, médiques.

– Palavras terminadas em -ão e -ã terão como alternativa –ane.
Exemplos: irmane, guardianes.

– Palavras terminadas em -ão e -oa/-ona terão como alternativa –one.
Exemplos: leone, patrones.

– Palavras terminadas em -eo e -ea terão como alternativa –ie.
Exemplos: conterrânie, gêmies.

– Palavras terminadas no plural em -es e -as terão como alternativa –ies.
Exemplos: trabalhadories, chinesies.

– Palavras terminadas em -e e -a terão como alternativa –ie, e o plural também será –ies.
Exemplos: presidentie, parenties.*

*Obs: uma parte da população continua usando a terminação -e para qualquer gênero, então essa mudança acaba sendo opcional.

– Palavras terminadas em -eu e -eia terão como alternativa –ie.
Exemplos: atie, europies.

– Palavras com terminações variadas no gênero inespecificado e -esa/-essa/-isa no gênero marcado terão como alternativa –ise.
Exemplos: sacerdotise, duquises.

– Para as palavras terminadas em -dor e -triz a alternativa será –ter.*
Exemplos: imperater, embaixateres.

*Obs: pode ser que o prefixo -triz caia em desuso, o que tornaria esse novo não utilizável.

3- Sobre os neologismos propostos:

– Para os pronomes possessivos seu, sua e teu, tua as alternativas serão sue e tue.

– Para os pronomes possessivos meu e minha a alternativa será minhe.

– Para os pronomes demonstrativos este, esta e esse, essa as alternativas serão estu e essu.

Nota: assim como o neopronome elu, esses neopronomes podem ter mais de uma pronúncia também, que se alinham com as de elu.

– Para os numerais dois e duas a alternativa será dues.

– Para as palavras bom, boa e mau, má as alternativas serão bone e male.

– Para as palavras pai e mãe, a alternativa preferencial minha será nam. Para avô e avó, minha alternativa será avu.

– Para as palavras paternidade e maternidade, a alternativa será naternidade.

Outros neologismos podem aparecer ocasionalmente, mas até então essas são as alternativas que serão aplicadas oficialmente.

Obs: aqui não estão todos os neologismos possíveis e já formulados. Para uma lista maior, clique aqui.

Com toda essa proposta apresentada, pode haver a seguinte dúvida: deve-se aplicar então a neolinguagem com palavras de gênero invariável, como os pronomes isso, isto e aquilo, pois são acompanhados pelo gênero inespecificado também? Não há resposta para isso. Há pessoas que usam ê/elu/e com esses termos, e há pessoas que permanecem com as normas.

Por fim, um tópico que gera controvérsias é o uso de neolinguagem para animais. Não há nenhum real motivo para não ser usada com eles. Animais cujos nomes possuem flexão, como gato e gata, entram nas regras de flexão. Sobre usar uma neolinguagem com um animal específico, como um conjunto de linguagem pessoal pra ele, de novo, não há motivo para não fazer esse uso; além disso, linguagens são impostas a animais de acordo com o sexo, e isso remete a mesma lógica de “sexo igual a gênero”. Deveríamos romper com isso. Eu, pelo menos, incentivo o uso de linguagens diferentes para animais.

Ressaltando que essas são as regras adotadas pelo sistema daqui do blogue. Outres lugares e pessoas podem usar mi em vez de minhe, su em vez de sue, boe em vez de bone, essie em vez de essu, enfim. E, além disso, as linguagens pessoais devem ser respeitadas sempre; isso inclui as preferências por palavras e modificações.

Acredito que aqui está tudo que precisava ser falado sobre os princípios e conceitos da neolinguagem, e sobre o sistema aplicado no blogue. Haverá mais conteúdo posteriormente desenvolvendo mais sobre o tema.

Dúvidas? Pergunte.

Links adicionais:

Orientando – O que é neolinguagem

Orientando – Guia pró-neolinguagem de linguagem neutra universal

Introdução A – Introdução à Neolinguagem | Lune & Aster Sant’anna

Medium Ophelia Cassiano – Guia para “Linguagem Neutra” (PT-BR)

YouTube – IV Semana de Letras da FCL-UNESP | Oficina 1 – Neolinguagem: ampliando a língua para além do binário

Wikipédia – Linguagem neutra de gêneros gramaticais

Blog do Crato – A proposta do Português com Inclusão de Gênero

Medium T. – Em defesa de uma multiplicidade de pronomes

Medium T. – Como criar um pronome?

Tumblr Exorsexismo – porque separar linguagem entre “masculina”, “feminina” e “neutra” não é legal

Ume Garote Alternative – Em defesa da neolinguagem

Medium TODXS – Neolinguagem: um futuro inclusivo e contra o cistema

Amplifi.casa – Como exemplificar seu conjunto de linguagem

Amplifi.casa – Artigo, pronome, final de palavra

Amplifi.casa – Motivos para não usar “pronome/d[pronome]” como indicação de conjuntos de linguagem

Amplifi.casa – Uma postagem sobre conjuntos e neolinguagem inspirada por respostas erradas

Amplifi.casa – Guia para o uso de i/il/i como linguagem neutra

YouTube – Variedades não-binárias & etc | Os sons da neolinguagem

Revista Movimento – O papel e a função da linguagem não binária ou neutral no contexto das redes online (contém algumas concepções equivocadas/reducionistas do tema e linguagem problemática [cissexista e exorsexista])

Wiki Identidades – Linguagem não-binária ou neutra (tem muita coisa obsoleta)

Medium Oltiel – Manual sobre a linguagem de pessoas não-binárias em mídias traduzidas

Medium Oltiel – Adaptação de pronomes usando neolinguagem

Tumblr NBH Brasil – Os pronomes além de ‘ele’ e ‘ela’ sob o aspecto histórico da língua portuguesa

Diplomatique – Quando se fala de linguagem neutra, não é de linguagem neutra que se fala

Singlelink – Neolinguagem

Singlelink – Linguagem neutra

Singlelink – Conjuntos

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