Características de gênero

Este será um texto um pouco diferente em comparação ao que costumo produzir e trazer aqui no blogue. Desde que me aprofundei em estudar gênero com conteúdos e conhecimentos feitos por pessoas fora do binário, estive achando interessante como conceitos são formulados e usados. Eu mesme já criei dois conceitos; não-conformidade de linguagem e outerinidade, porque considerei que eram ideias que faltavam serem trazidas para conceitos que podiam ajudar a entender melhor experiências de gênero e outros tópicos que o atravessam.

E entre esse estudo informal com base nos conceitos já criados e espalhados por comunidades diversas e em descrições de identidades e relatos de experiências, eu localizei e listei oito características principais que descrevem gênero, ou identidades de gênero em geral. Nada do que está aqui é uma ideia totalmente nova, inusitada, tudo que está aqui poderia ser formulado por outra(s) pessoa(s) apenas numa análise detalhada de como identidades de gênero funcionam. Coloquei todas elas numa ordem que considerei mais lógica, pois todas elas se interconectam e algumas podem se sobrepor dependendo da perspectiva ou descrição de certa identidade.

Podemos dizer que as experiências de gênero estão envolvidas de alguma forma com as seguintes características:

Percepção: a capacidade de alguém de compreender uma identidade de gênero. Ou seja, o quanto uma identidade consegue ser percebida antes de tudo, o que pode depender da fase da vida, do quanto de informação alguém dispõe, e como tal pessoa se relaciona com o conceito de gênero.

Exemplos de identidades focadas em percepção:

  • egogênero: alguém entender que seu gênero é único traz toda uma ênfase à compreensão pessoal de si e do gênero.
  • paragênero: aponta que alguém consegue compreender seu gênero suficiente para comparar com outro.
  • gênero-estrela: descreve um entendimento profundo de que tal gênero não pode ser explicado com palavras atuais e de forma precisa.
  • xumgênero: autoexplicativo.

Tangibilidade: se refere principalmente ao quanto uma identidade de gênero é presente ou ausente, se ela é palpável, concreta, ou se não existe, se está para além do indivíduo.

Exemplos de identidades focadas em tangibilidade:

  • nímise: há ênfase no gênero existir, ser tangível mesmo que ambíguo ou indefinido (aspectos entendidos equivocadamente como ausência de gênero às vezes).
  • schrodigênero: um gênero existir e ao mesmo tempo não existir é estar entre ser e não ser tangível.

Condicionalidade: qual condição pode afetar e influenciar a existência e vivência de certa identidade de gênero. Aqui, pensei em coisas tanto objetivas quanto abstratas que partem mais do íntimo ou vêm de forças externas maiores. Isso pode englobar aspectos físicos e mentais, que são condições pessoais, e pode englobar cultura e experiência de vida, que são condições externas que moldam o indivíduo.

Exemplos de identidades focadas em condicionalidade:

  • travesti: acredito que seja um bom exemplo de gênero influenciado por experiência de vida e cultura, por ser uma identidade transfeminina e do contexto latinoamericano.

Qualidade: a projeção de gênero que compõe uma identidade, que são ideias subjetivas baseadas em construções sociais, podendo ser sujeitas à interpretação pessoal e até ressignificação e apropriação. Os exemplos maiores são as projeções de hombridade, masculinidade, mulheridade, feminilidade. A partir dessas projeções surgem outras como neutralidade e androginidade. Outras projeções tais como xeninidade e outerinidade são propostas mais independentes. Qualidades são um tópico extenso por si só, não focarei nelas nesse texto.

Exemplos de identidades focadas em qualidade:

  • mingênero: autoexplicativo.
  • fingênero: autoexplicativo.
  • aporagênero: a definição enfatiza o gênero ser algo separado dos gêneros binários e seus derivados, quebrando uma narrativa ainda recorrente sobre gênero existir apenas numa linha de dois polos – masculino e feminino.

Intensidade: define o quanto uma identidade de gênero é sentida de maneira mais forte ou mais fraca, podendo tal intensidade mudar, havendo um espectro entre ser forte e fraca.

Exemplos de identidades focadas em intensidade:

  • gênero-régua: é um exemplo de como uma identidade pode mudar parcialmente de intensidade.

Quantidade: quantos gêneros compõem uma identidade, podendo ser zero, um, mais de um, podendo ser uma quantidade conhecida ou desconhecida, e podendo ser uma quantidade regular ou não.

Exemplos de identidades focadas em quantidade:

Fluidez: o quanto uma identidade de gênero pode ser estática ou mais fluida, sendo que tal fluidez pode ser um espectro, e pode envolver qualquer quantidade de gêneros.

Exemplos de identidades focadas em fluidez:

  • eafluide: autoexplicativo.
  • progrefluide: uma fluidez que aumenta mostra como fluidez não se limita a um número definido de gêneros ou identidades de gênero.

Proporcionalidade: se uma identidade de gênero é fragmentada, dividida em partes, ou qual gênero ou partes de gênero se sobrepõem a outros elementos dentro de uma identidade.

Exemplos de identidades focadas em proporcionalidade:

  • fraspe: um gênero que começa sendo um e então se divide em outros, podendo voltar a ser um, é um bom exemplo de uma proporcionalidade variada.

Observação: as identidades sem link podem ser encontradas na própria lista do Orientando de identidades de gênero.

As identidades não precisam serem centradas em alguma dessas características, assim como há identidades que são definidas por mais de uma característica ao mesmo tempo. Contudo, há algumas que me deixam com dúvida sobre do que se tratam, ou que demonstram um conflito em suas interpretações. É o caso de:

femache: a princípio, a identidade parece um sinônimo de bigênero homem/mulher, mas exatamente por descrever a experiência de homem e mulher como algo único em si que não acredito que possa ser reduzido a algo sobre quantidade, ao mesmo tempo que parece.

– contrarigênero: experiência contraditória de gênero me parece algo que pode ser tudo e ao mesmo tempo nada. Dizer que alguém percebe a identidade faz sentido, mas existe a brecha para ao mesmo tempo não perceber.

pomogênero: um gênero que rejeita categorias poderia ser considerado indefinido, mas isso contradiz seu princípio de rejeição a ser categorizado. Logo, colocá-lo numa qualidade é contraditório, mesmo que faça sentido.

– abrogênero: pela definição, fica muito vago se a mudança é apenas dentro do gênero em si, e se isso seria algo explicado pelo conceito de fluidez; que, em todo caso, influencia o entendimento do gênero.

Concordo que essa minha tentativa de conceitualização de características que regem as experiências de gênero contém imperfeições, que algo pode ter passado despercebido, mas acredito que funciona bem até o momento. Gostaria que isso incentivasse uma conceitualização melhor. Pensando nisso, nem pretendo alterar o texto depois de publicado.

Enfim, não quero tomar “crédito” em ter organizado essas oito características, pois, como já disse, não são em si conceitos novos. Apenas localizei aspectos principais nas experiências de gênero e juntei elas num texto. A única coisa que peço é, caso haja conteúdos baseados nisso, que ao menos essa fonte seja citada, pois quem fez o trabalho mental de pensar e escrever sobre esse assunto fui eu.

Acredito que esse texto possa servir para duas coisas: descoberta pessoal e entendimento sobre gênero. Se perguntar como uma identidade de gênero funciona, se é percebida, tangível, de alguma qualidade, enfim, pode ser útil para quem está querendo entender sua própria experiência. E se isso puder ser uma base teórica útil para que se crie mais consciência e ampliar nosso conhecimento sobre gênero, ficarei satisfeite em ter contribuído dessa forma com o tema.

Referência adicional:

Um texto complicado tentando descomplicar experiências não-binárias

Publicado por Oltiel

Um pouco sobre mim: aporagênero (-/éli/e), polissexual, não-monogâmique, queer, militante LGBTQIAPN+, socialista, e mais umas coisinhas.

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